De Perón a Bolsonaro: O populismo e a economia não se misturam
É tudo uma fantasia
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A democracia em todo o mundo está em crise. Em muitos casos, a crise é o resulto de políticos populistas utilizando uma forma iliberal de democracia para concentrar o poder em suas próprias mãos e minar as instituições democráticas e constitucionais. Mas de onde surgiram estes populistas e porque eles têm tanto êxito? A resposta reside nas transições econômicas que ocorrem em todo o mundo, a aceleração da globalização e a forma com que economias se adaptam à inteligência artificial.
Examinando a história do populismo e dois líderes populistas modernos com os quais estou bem familiarizado, Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos, veremos como o populismo capitaliza estas transições econômicas desestabilizadoras sem fornecer quaisquer soluções reais. Na verdade, a dependência destes líderes nas suas bases predominantemente da classe trabalhadora impede-os de cumprir até mesmo a sua própria retórica, porque de fato, eles prometem o impossível.
O que é populismo?
Primeiro, qualquer leitor regular de DS saberá que me importa muito as definições. Antes de começarmos, devemos primeiro esclarecer o que entendemos por populismo. Populismo é um dos termos mais debatidos em todas as ciências sociais. As definições variam desde tão restritas, que descrevem apenas o movimento de um político específico, até tão amplas, que incluem qualquer pessoa que já tenha participado numa eleição democrática.
O populismo é melhor entendido como um estilo político em que um líder carismático apela a um grupo que se sente excluído ou ignorado e afirma incorporar a vontade de tal povo, geralmente com uma definição restrita de “o povo”, e defende-o contra a “elite” ou uma “classe política” sempre vagamente definidos.
O populismo é frequentemente confundido com o socialismo e o fascismo. Socialismo porque o populismo também faz frequentemente referência a uma ligação à classe trabalhadora, e ao fascismo porque frequentemente enfatiza uma identidade nacional coletiva. No entanto, o populismo não tem base ideológica e, em vez disso, é impulsionado apenas pelo líder que é a única fonte através da qual a “vontade do povo” pode ser conhecida. As mensagens populistas são identificáveis porque o seu foco principal é a relação entre o líder e os seus seguidores, e não uma visão nacional ou um programa ideológico. Por esta razão, o populismo é geralmente considerado uma forma “não mediada” de política porque a relação entre o líder e os seguidores é direta. As pessoas não apoiam o líder por causa da sua filiação partidária ou pelas ideias que representam, mas por causa de quem são ou pelo menos de quem afirmam ser.
Agora que compreendemos o que é o populismo, é lógico perguntar: por que o populismo é ruim para uma democracia? Certamente uma democracia deverá prosperar sob um líder popular cujo foco principal seja o povo. Infelizmente, o populismo é uma mentira. Ninguém pode realmente canalizar a vontade do povo, especialmente em países tão grandes e diversos como o Brasil e os Estados Unidos, porque tal vontade não é única. Estes líderes exploram o medo e a raiva de algum grupo excluído e tentam garantir que apenas os seus apoiantes sejam considerados verdadeiras manifestações do “povo”. Quando um líder populista chega ao poder, ele passa a demonizar qualquer restrição ao seu poder como uma restrição ao “povo”. O populismo, portanto, tende para o autoritarismo com a justificativa de que um ditador popular será capaz de facilmente impor a vontade do povo. Isto, porém, é uma fachada, pois esta suposta ditadura da maioria é, na verdade, apenas uma ditadura de um só, o líder.
Tanto Bolsonaro quanto Trump se enquadram facilmente no molde populista. Os seus apelos baseiam-se quase inteiramente na emoção e carecem de qualquer sustentação ideológica ou de posições políticas sérias. Em vez disso, concentram as suas energias na mobilização das suas bases, a quem ambos os homens chamam de “patriotas”, para denotar que apenas os seus apoiantes de culto são os verdadeiros americanos ou brasileiros e qualquer um que se oponha a eles é um inimigo do povo. Os movimentos bolsonarista e trumpista tentam constante e conscientemente cooptar símbolos nacionais como a bandeira nacional, ao mesmo tempo que denunciam e minam as suas constituições e instituições democráticas.
Tanto Trump como Bolsonaro começaram os seus movimentos atacando uma classe política corrupta. Trump prometeu “drenar o pântano” e criticou a corrupção política da família Clinton, enquanto Bolsonaro se declarava o defensor do Lava Jato e destacava a corrupção do seu adversário de campanha, o Luiz Inácio Lula da Silva. Ao longo do tempo, ambos os presidentes passaram a atacar uma elite comunista/globalista, que é quase inteiramente fictícia, tornando mais fácil aos líderes moldá-la aos seus desejos. Ambos escarnecerem frequentemente as salvaguardas do poder executivo e atacaram as suas estruturas constitucionais como restrições à vontade do povo. Ambos recusaram admitir a derrota depois de terem perdido legitimamente as suas candidaturas à reeleição, o que inspirou os seus apoiantes a lançar ataques violentos contra as instituições do governo. Crucialmente, estes dois indivíduos foram capazes de construir uma base a partir de cidadãos que se sentiam excluídos, em grande parte devido às transições econômicas em curso no mundo.
As suas mensagens aos seus seguidores refletem abertamente as credenciais populistas de ambos os políticos. Bolsonaro, cujos seguidores frequentemente referenciam como “mito,” sempre se posiciona como defensor da população contra a corrupção e do comunismo, ao mesmo tempo que frequentemente destaca obras públicas pelas quais ele acha que merece crédito, uma antiga prática latino-americana. Bolsonaro nunca deixa de mencionar sua ligação com Deus e sua “missão” divina de salvar o Brasil. “Rezo o Pai Nosso e peço a Deus que este povo brasileiro nunca experimente as dores do comunismo”, disse Bolsonaro a seus seguidores ao aceitar sua indicação para a reeleição. Deve-se notar enquanto o Partido dos Trabalhadores tem uma orientação socialista, nunca houve qualquer perspectiva real de vitória de uma verdadeira facção comunista nas eleições presidenciais de 2022.
Trump é um exemplo ainda melhor de populista. A mensagem da sua atual campanha de reeleição pode ser resumida sucintamente em uma conspiração secreta maligna dirigindo o governo do país e só ele pode salvar a população. Os seus apoiantes usam a frase “Em Trump Confiamos”, com o nome do autoritário não sutilmente substituído no lugar de Deus no lema dos Estados Unidos. Num comício, Trump disse aos participantes “Eu sou a sua justiça. E para aqueles que foram injustiçados e traídos: eu sou a sua retribuição.” Aparentemente parafraseando versículos bíblicos para se inserir novamente no lugar de divindade enquanto jurava travar guerra contra a conspiração imaginária que tanto aterroriza seus seguidores. Mais recentemente, Trump fez um discurso tão populista que quase parece falso. Falando aos trabalhadores da indústria automobilística em greve, o ex-presidente disse: “Coloquei tudo em risco para lutar por vocês. Arrisquei tudo para defender a classe trabalhadora da classe política corrupta que passou décadas sugando a vida, a riqueza e o sangue deste país.” Ele se apresentou como o defensor da classe trabalhadora contra uma elite política corrupta, como se fosse um exemplo num livro de ciência política.
A história econômica do populismo
Então, onde entra a economia? A transição econômica e o populismo são companheiros antigos. Com efeito, a história do populismo é o lado político da história da industrialização. O termo populista vem dos Estados Unidos do final do século XIX e ao seu Partido Popular ou Partido Populista. Nesse caso, o grupo excluído foram os agricultores do Centro-Oeste que se sentiram abandonados pela política econômica dos EUA centrada na industrialização.
O populismo ganhou destaque na América Latina do século XX. Os exemplos são vários, mas os dois mais notórios são Getúlio Vargas no Brasil e Juan Perón na Argentina. Essas duas figuras transformaram o populismo em uma forma de arte. Ambos entraram na cena política quando os seus países passavam pela industrialização, que ocorreu muito mais tarde na América Latina do que nos Estados Unidos.
Em quase todos os lugares onde a industrialização ocorreu, ela trouxe consigo uma desigualdade crescente e uma agitação social devido ao deslocamento causado pelo desaparecimento dos empregos agrícolas tradicionais em favor dos empregos industriais modernos. Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, isto aconteceu nos séculos XVIII e XIX. A resposta padrão destes governos foi suprimir violentamente trabalhadores e fazer pequenas e lentas concessões democratizantes. Mas em meados do século XX, enquanto a Argentina e o Brasil tentavam terminar os seus próprios processos de industrialização, a democracia e o liberalismo tinham avançado globalmente a pontos que tornavam mais difícil esta abordagem pesada aos trabalhadores. Tal como aconteceu nos outros lugares, a industrialização nestes dois países levou a um rápido crescimento da força política da classe trabalhadora urbana, diferentemente dos processos de industrialização anteriores, as classes trabalhadoras nestes países, em grande parte, tivessem o direito de voto.1 Criando um bloco eleitoral que os políticos tradicionais (com bases de poder nas zonas rurais e nas classes alta) mal entendiam e pouco se interessavam. Resultando em um ambiente perfeito para Perón e Vargas exercerem o seu talento.
Ambos precederam os seus períodos políticos populistas construindo popularidade com a classe trabalhadora e criando instituições governamentais que lhes permitiram controlar os sindicatos nos seus países. É claro que toda a classe trabalhadora não os apoiou, tal como não apoiam Bolsonaro e Trump agora, e por isso os seus seguidores foram rotulados como a verdadeira manifestação do “povo”. Ambos se declararam defensores do povo contra a “elite”, que tendia a ser uma vaga combinação de políticos opostos, segmentos hostis da classe alta e interesses empresariais estrangeiros. Ambos prometeram promover a industrialização e, ao mesmo tempo, melhorar a vida da classe trabalhadora. Crucialmente, ambos se concentraram na construção de laços íntimos com a sua base que iam muito além da política.
Ambos os homens carregam novamente as marcas de mensagens populistas. Se você não soubesse qual citação combinava com quem, você quase poderia trocá-las de forma intercambiável entre os quatro presidentes discutidos neste artigo. Num discurso tentando definir o seu próprio movimento populista, o Presidente Perón declarou: “E o peronismo se aprende, não se diz: sente-se ou não se sente. O peronismo é mais uma questão de coração do que de cabeça. Felizmente não sou um daqueles presidentes que se isolam, mas sim convivem com o povo, como sempre vivi; por isso compartilho com o povo trabalhador todas as suas vicissitudes, todos os seus sucessos e todos os seus fracassos.” (Perón era um oficial militar de família rica e nunca viveu entre a classe trabalhadora).
Vargas, novamente um membro vitalício da elite brasileira, de certa forma, levou as mensagens populistas a patamares ainda maiores. Antes de entrar na política eleitoral, Vargas já havia servido como ditador não eleito do Brasil de 1930 a 1945, quando foi forçado a sair por um golpe militar. Vargas recorreu ao populismo ao tentar retornar ao poder através das urnas nas eleições presidenciais de 1950. Prevendo um retorno à política eleitoral, Vargas usou sua posição como ditador para organizar dois partidos políticos, um deles dirigido à classe trabalhadora urbana e composto pelos sindicatos oficiais aprovados pelo governo que se tornaram motores para obter o voto da classe trabalhadora. Vargas. A campanha do antigo ditador centrou-se na sua “segunda vinda” e declarou Vargas o “Pai dos Pobres”, referenciando constantemente a legislação laboral paternalista que o seu governo autoritário tinha promulgado.
Talvez o maior ato de populismo de todos os tempos tenha ocorrido na forma da Carta Testamento de Vargas. Em 1954, Vargas entrou novamente em conflito com os militares e, para evitar um golpe, tirou a própria vida. Antes de fazê-lo, deixou uma carta que abalaria profundamente o Brasil: “Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. . . Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. . . Escolho este meio de estar sempre convosco. . . Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.” O país explodiu, multidões atacaram políticos e meios de comunicação a quem culpavam pela morte de Vargas, e seguiu-se a turbulência e baderna. Vargas conseguiu o que queria; ele morreu como um herói para sua base populista.
Então, naturalmente, uma vez no poder, ambos os homens promulgaram um programa de reformas econômicas abrangente com resultados surpreendentes, certo? Errado. Isto não se deve ao facto de os problemas econômicos que abordaram não serem reais, mas sim que suas soluções não eram reais, apenas vagas ilusões de alguma utopia nacionalista que só eles poderiam concretizar. Na prática, as suas decisões de política econômicas variaram de contraintuitivas (como combater a inflação com aumentos absurdamente generosos do salário-mínimo, provocando assim mais inflação) a meros atos de exibicionismo (aprovar leis e regulamentos de nicho concebidos para irritar os interesses empresariais estrangeiros, mas que tiveram pouco impacto real sobre a economia nacional).
Água, água por toda parte e nem uma gota para beber
Não gosto da frase “a história se repete”, porque isso não é verdade. Circunstâncias e indivíduos únicos são importantes, mas o populismo de Vargas e Perón está vivo e bem em Bolsonaro e Trump. Mais uma vez, o medo da transição econômica (globalização e uma mudança para uma economia pós-industrial) está causando convulsões sociais e os políticos tradicionais têm demorado a compreender como. Agora, um novo grupo de populistas apresenta soluções econômicas que apelam aos mais afetados, mas que não têm conteúdo real.
Minha cunhada trabalha em um navio de cruzeiro e no ano passado minha família e eu fizemos um cruzeiro em seu navio. Certa noite, minha esposa e eu jantamos com a irmã dela e conversamos sobre o enorme navio que ela passou a chamar de lar. A certa altura, minha esposa, cujo maior medo é estar em um navio afundando, comentou que havia visto algumas portas a prova d’agua naquele dia. Confusa, minha cunhada perguntou onde ela tinha visto essas portas, e minha esposa respondeu descrevendo onde ela estava no navio. Um sorriso apareceu no rosto da minha cunhada quando ela exclamou “Isso é no convés 10!” Veja, nosso navio tinha apenas 11 conveses de passageiros. Como minha cunhada explicou alegremente à minha envergonhada esposa, se houvesse água no convés 10, 90% do navio ficaria submerso e o tempo para portas estanques (todas localizadas abaixo do nível dos passageiros) já passou.
No entanto, é exatamente isto que o tipo de economia populista Bolsonaro-Trump promete fazer. Eles prometem retroceder no tempo para períodos econômicos nas histórias dos seus respectivos países que não só já se foram, mas que nunca existiram realmente nos termos que estes presidentes afirmam. O navio afundou quase completamente e estes dois políticos, e muitos outros, prometem salvá-lo fechando as portas estanques. A metáfora do navio a afundar-se não pretende sugerir que a transição econômica seja uma coisa má que deveria ter sido evitada anteriormente, apenas para realçar que combatê-la é uma fantasia que nunca se tornará realidade porque a mudança econômica é inevitável.
Comecemos por Bolsonaro. O Brasil novamente se encontra atrasado para a festa, neste caso a globalização. Particularmente, no período que antecedeu as eleições de 2018, o Brasil continuou a ser uma das economias mais fechadas do mundo. Arrasando ainda mais a economia estavam as 418 empresas estatais, um número absurdamente grande. Bolsonaro concentrou sua campanha no combate à corrupção e na abertura do país ao capitalismo. Ele prometeu acabar com o protecionismo e acelerar a privatização. A sua inspiração foi a ditadura militar (1964 – 1968) que, segundo ele, supervisionou um longo período de sucesso econômico devido à sua rejeição do comunismo em favor do capitalismo. Uma abertura econômica já era necessária há muito tempo, o problema com a visão de Bolsonaro era que tudo foi construído sobre mentiras e fantasias.
Primeiro, a ditadura militar do Brasil não foi um modelo de economia capitalista ou de mercado livre. Certamente utilizou a sua posição forte para reprimir a classe trabalhadora e ignorar as suas queixas econômicas, mas estava fortemente envolvido na economia. Criou muitas das empresas estatais do Brasil e uma grande rede de supervisão governamental para canalizar o desenvolvimento na direção que desejava. O Brasil registou um crescimento econômico impressionante na década de 1960, mas tudo isso foi apagado na década seguinte, quando a intervenção excessiva dos militares e a crise de energia global paralisaram o Brasil. O regresso ao governo civil na década de 1980 foi, em parte, inspirado pelo desejo dos militares de não ficarem com as mãos na massa quando se manifestassem todas as consequências da sua desastrosa má gestão econômica.
Em seguida, Bolsonaro prometeu que esta transição econômica traria sucesso instantâneo para quase todo o Brasil, ao mesmo tempo que incomodaria apenas políticos e socialistas corruptos. Isso nunca poderia ser verdade. Uma mudança de políticas protecionistas para políticas abertas terá múltiplas dificuldades crescentes para toda a sociedade, caso contrário a política protecionista não existiria em primeiro lugar. Bolsonaro também espelhou a ditadura militar na medida em que nunca teve qualquer compromisso sincero com a abertura econômica, queria o controle sobre a economia, só queria usá-la de forma diferente da que os seus antecessores fizeram.
Vez após vez, desde a privatização até a tão necessária reforma da previdência, o próprio Bolsonaro revelou-se mais eficaz do que a sua oposição ao impedir a abertura econômica. Embora tenha declarado publicamente o seu apoio a estas medidas, recusou-se a aplicá-las de qualquer forma real, porque elas perturbariam, e muitas vezes perturbaram, a sua base populista no curto prazo. Em última análise, a visão de Bolsonaro de uma abertura econômica esteve sempre fadada ao fracasso. Foi baseado em uma versão fictícia do passado e em promessas impossíveis; sem mencionar que ele realmente não queria fazer isso. Sempre foi apenas uma arma populista para atacar a sua oposição de esquerda que não tinha substância por trás dela.
As promessas de Trump tenderam na direção oposta às de Bolsonaro. Apelando ao segmento da classe trabalhadora mais impactado pela globalização, Trump prometeu revertê-la. Ele afirmou que colocaria “os EUA em primeiro lugar” e “tornaria a América grande novamente”. Mais uma vez, foram feitas referências frequentes ao passado, quando a indústria americana prosperava e o país priorizava a sua economia interna. Mas Trump e os seus apoiantes nunca nos dizem quando é que a América foi grande, porque estão novamente a referir-se a uma visão fictícia do passado. A década de 1950, a década que geralmente se presume que o slogan de Trump se refere, não foi um período de políticas econômicas protecionistas e de isolacionismo, foi exatamente o oposto. Os maiores sucessos da indústria americana devem-se à sua capacidade de dominar os mercados globais.
A ideia de inverter a globalização e de se desligar da economia global sempre foi terrível e só poderia ter levado à ruína econômica. Ao contrário de Bolsonaro, Trump parece ter estado verdadeiramente comprometido com os seus objetivos impossíveis. Trump criticou os acordos de livre comércio e prometeu acabar com eles. Um caso raro em que ele realmente seguiu em frente foi a retirada imediata dos Estados Unidos do acordo de Trans-Pacific Partnership (TPP). Isso só foi possível porque ainda não estava em prática. Esta decisão enfraqueceu dramaticamente os EUA na sua competição geopolítica com a China e custou aos Estados Unidos milhares de milhões em PIB potencial e crescimento do rendimento que teriam beneficiado a sua base. Trump voltou então a sua atenção para o North American Free Trade Agreement (NAFTA), que prometeu à sua base que iria desmantelar para recuperar todos os empregos que o México tinha “roubado”. O então presidente da Câmara relembrou conversas frenéticas com o presidente Trump, tentando explicar-lhe que a saída do NAFTA causaria um colapso na economia dos EUA, em detrimento de todos. Em vez disso, em 2020, a administração Trump substituiu o NAFTA pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá, que nada fez para reverter o comércio livre entre os países.
Os seguidores de Trump continuam a criticar os globalistas que são frequentemente objeto de teorias de conspiração trumpianas. Mas a verdade é que Trump não fez quase nada para fazer recuar a globalização porque as realidades econômicas frequentemente o impediram de fazer. As raras coisas que ele realmente fez, como abandonar o TPP e as suas muitas tarifas, foram em detrimento da economia dos EUA e da sua base da classe trabalhadora. Uma estimativa de 2021 concluiu que as tarifas da administração Trump custaram aos EUA aproximadamente um quarto de milhão de empregos. Certamente nada fizeram para recriar as realidades econômicas da América dos anos 1950. A realidade não poderia ser outra. Não existe nenhum cenário em que um país, especialmente aquele com a maior economia do mundo, possa abandonar o comércio livre e a globalização e estar economicamente em melhor situação. É uma mentira populista reconfortante que Trump conta aos seus apoiantes, mas nunca poderá ser uma realidade.
As esquerdas no Brasil e nos Estados Unidos repetem agora muitos dos mesmos erros ao tentarem recuperar as bases de voto que o populismo lhes tirou. A política econômica dos dois países continua a perseguir as fantasias que Bolsonaro e Trump pregavam. O problema não tem uma solução clara, qualquer visão política disposta a dar conta das duras verdades de uma transição econômica pode facilmente ser derrotada nas urnas por um populista que diga às pessoas que não tem de ser assim, que elas podem ter tudo o que quiserem sem dificuldades. O que está claro é que isso nunca será verdade e só conduzirá à má governação. Populismo e economia não se misturam.
As restrições de alfabetização ao sufrágio permaneceram, mas tiveram apenas um pequeno impacto nas populações urbanas.