O Brasil se tornou um inimigo da democracia global
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva traçou uma política externa desastrosa em detrimento da democracia global
Find the English language version of this article here!
Lula, o Brasil e democracia
Na corrida à eleição presidencial de 2022 no Brasil, o Sísifo da Democracia endossou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) à presidência. Não fizemos isso porque acreditávamos que Lula seria um bom presidente, estava claro que não seria, mas porque ele era melhor que a alternativa. Essa alternativa era o então presidente do país, Jair Bolsonaro. Bolsonaro passou toda a sua presidência vacilando entre uma administração incompetente e tentando ativamente minar as instituições constitucionais do país. Lula administrou um governo e um partido corruptos durante sua primeira presidência, no entanto, ele nunca tentou derrubar a Constituição e os seus seguidores não clamaram por uma ditadura como fez os de Bolsonaro. Em última análise, há uma diferença entre ser um mau presidente e uma ameaça ao seu país.
Nosso apoio a Lula baseou-se em dois pontos principais. Primeiro, a defesa do meio ambiente. Bolsonaro negou a existência da mudança climática e supervisionou um desmatamento histórico no Brasil, que ele incentivava, acreditando ser necessário para o desenvolvimento do país. Nesse ponto, Lula provou ser um sucesso. O desmatamento no Brasil caiu drasticamente à medida que o país começou a levar o assunto sério novamente. O segundo ponto que consideramos crucial para a eleição foi a democracia. Como discutido anteriormente, Bolsonaro se posicionou ativamente como inimigo da democracia brasileira e seus apoiadores pediram que os militares intervissem e criassem uma ditadura sob Bolsonaro, especialmente após Lula vencer o que foi uma eleição livre e justa no final de 2022. Nesse segundo ponto, o histórico de Lula é muito mais questionável. Como previsto, ele fortaleceu a democracia brasileira. Não por meio de algum grande programa de reforma, mas simplesmente por não atacá-la ou miná-la. Às vezes, ele caiu na armadilha lógica da esquerda de acreditar que a “popularidade” de seu governo justifica uma ampla ação executiva. Ainda assim, ele não violou a ordem constitucional ou atacou os outros ramos do governo. Mas no cenário mundial o relacionamento de Lula com a democracia tem sido péssimo.
Pensando no contexto Segundo Guerra Fria que agora defina relações internacionais, sob Lula, o Brasil defendeu repetidamente países autoritários, apoiou seus líderes, forneceu alívio econômico e atacou defensores da democracia liberal. Lula afirma, como ao longo de sua carreira política, que prioriza a paz à competição. Ele repudia a ideia de uma nova Guerra Fria e mantém que o Brasil não escolherá lados. No entanto, na prática, isso significou favorecer a aquiescência a ditaduras e desculpar seus piores comportamentos em nome de minar a Ordem Mundial Liberal (incluindo seu sistema de direitos humanos), que Lula claramente vê como uma manifestação do imperialismo americano. Neutralidade de forma alguma descreve as posições tomadas pelo Brasil. Pior ainda, Lula parece acreditar que uma ordem mundial liderada pela China e pela Rússia será de alguma forma mais benéfica para o Brasil (o que não será).
Brasil e Rússia
Apenas uma semana antes do início da invasão russa à Ucrânia, o então presidente Jair Bolsonaro realizou uma visita oficial a Vladimir Putin, apesar da condenação generalizada da comunidade internacional. Ele declarou a “solidariedade” do Brasil à Rússia e prometeu que o Brasil permaneceria neutro no conflito iminente com a Ucrânia. A iniciativa foi amplamente vista como um salva-vidas para Putin em um momento em que os EUA e seus aliados tentavam isolá-lo. Então, naturalmente, o defensor da democracia, Lula, mudou de rumo em relação à Rússia? Não, pelo contrário, ele aumentou drasticamente o apoio do Brasil ao agressor no maior conflito europeu desde a Segunda Guerra Mundial e ao ditador acusado de crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Ao longo de sua carreira política, Lula foi extremamente crítico das intervenções estrangeiras dos EUA, que classificou como imperialismo injustificado. Durante seus primeiros mandatos, o Brasil defendeu veementemente novos critérios internacionais para intervenções estrangeiras, visando impedir que países intervissem sem o consentimento do país alvo. Parece que Lula esqueceu de tudo isso quando se tratou da invasão da Ucrânia pela Rússia.
A resposta inicial de Lula foi insistir que a Ucrânia deveria estar disposta a ceder partes de seu território para garantir a paz. Que liderança inspiradora, o mundo e as nações vitimizadas precisam capitular diante de ditadores porque isso tornará o mundo mais pacífico. Então se a Argentina invadisse o Brasil amanhã, Lula rapidamente entregaria o Rio Grande do Sul em nome da paz? O presidente talvez devesse estudar a política de apaziguamento pré-Segunda Guerra Mundial para entender o quão errada essa posição é.
Após uma forte reação negativa, Lula acabou recuando da posição de que a Ucrânia deveria ceder território, mas manteve uma postura pró-Rússia. Lula voltou suas críticas para os Estados Unidos e seus aliados e ainda insistiu que a Ucrânia era igualmente responsável pelo conflito. “É preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz”, declarou Lula durante uma viagem à China. Sim, ao não abandonar a Ucrânia à mercê de Putin, os Estados Unidos e a União Europeia estavam “incentivando a guerra” e tudo poderia ser resolvido “falando em paz”. Suponho que em todos os engajamentos diplomáticos entre os EUA, UE e Rússia antes da invasão, todos aqueles líderes e diplomatas simplesmente se esqueceram de falar em paz.
Feliz como sempre em culpar os Estados Unidos pelos problemas do mundo, Lula não fez nenhuma crítica similar à Rússia (a nação invasora) ou à China, que forneceu ativamente apoio econômico e militar à guerra da Rússia. Em vez disso, Lula incluiu a China como um dos países a favor de paz e falou que era “preciso ter paciência com o presidente da Rússia”. O ministro das Relações Exteriores da Rússia agradeceu publicamente ao Brasil por compreender corretamente a “origem da situação”. Uma regra prática: se um regime ditatorial invasor agradece o seu entendimento da situação, você entendeu mal a situação.
Na prática, Lula continuou se opondo ao fornecimento à Ucrânia das armas necessárias para se defender, enquanto estreitava laços econômicos e políticos com a Rússia. Em 2023, o Brasil foi o principal importador de diesel russo e se tornou um dos principais financiadores do regime de Putin. Quando questionado sobre a disposição do Brasil para aplicar o mandado do TPI para a prisão de Putin, Lula respondeu desafiadoramente que não, antes de sugerir que o Brasil poderia até se retirar do TPI.
A abordagem de Lula em relação à Rússia e à invasão da Ucrânia revelou um nível alarmante de hipocrisia, justificativa de ditaduras e uma compreensão ingênua de relações internacionais. O Brasil não apenas se distanciou da coalizão pró-democracia, mas também apoia ativamente o lado autoritário e da expansão imperialista agressiva. A alegação de neutralidade do Brasil não pode ser levada a sério.
Brasil e China
No caso da China, Lula abraçou calorosamente o principal país autoritário do mundo, sem o rancor que parece guardar pelos EUA e outras democracias liberais. Assim como em sua primeira presidência, Lula teve poucas críticas às violações dos direitos humanos na China. Nenhuma palavra em defesa do povo de Hong Kong, cuja democracia foi violentamente suprimida por Pequim, e nenhuma simpatia por mais de um milhão de uigures que estão presos em campos de concentração.
Ao invés disso, Lula mantém que a China é um “parceiro indispensável” para o Brasil, e durante sua visita ao país asiático repreendeu os Estados Unidos, dizendo que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China”. Desde que retornou à presidência, Lula buscou estreitar os laços econômicos com a China, o que incluiu múltiplos acordos bilaterais e medidas para eliminar o uso do dólar americano no comércio entre os dois países. Lula começou 2024 recebendo a visita do Ministro das Relações Exteriores chinês e continuando a celebrar o valor da amizade com a China. Alguém poderia pensar que o valor dessa amizade estaria em questionamento, já que países ao redor do mundo veem sua soberania e estabilidade financeira comprometidas por infraestrutura chineses problemáticos e armadilhas da dívida, mas não para Lula.
Brasil e BRICS
A falácia da política externa de Lula se revela por completo em sua abordagem ao BRICS, uma organização multilateral que une as economias em desenvolvimento do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O BRICS foi uma das “conquistas” da primeira presidência de Lula. Ele o vê como uma forma de projetar a liderança brasileira em todo o mundo em desenvolvimento e criar um sistema financeiro global independente dos Estados Unidos. O que se tornou, no entanto, é uma ferramenta para a China e a Rússia em seu objetivo frequentemente expresso de derrubar a Ordem Mundial Liberal liderada pelos EUA. Especificamente, os regimes autoritários esperam usar o BRICS para minar instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Sem surpresa, Lula apoia essa visão, afirmando que o BRICS é a chave para “uma nova ordem global comprometida com o multilateralismo”.
Esses planos apoiados por Lula e desejada por China e Rússia preveem uma ordem mundial “transacional”. Nesse cenário, os países “priorizam a soberania” (o que significa permitir que ditaduras aterrorizem suas populações sem interferência) e abandonam a ideia de uma ordem “baseada em regras” que incentiva o cumprimento de princípios incômodos como respeito a fronteiras, democracia liberal, livre comércio e direitos humanos. Cada país teria liberdade para fazer tirania dentro de suas fronteiras, e os poderosos poderiam intimidar os mais fracos com maior impunidade do lado de fora. Isso não são apenas palavras, mas planos reais. Tal ordem global significaria retroceder em muitos dos principais avanços da humanidade desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tornando o mundo um lugar menos próspero e mais hostil, com Pequim chamando as ordens. Lula ou é ingênuo demais para perceber as intenções da China e da Rússia ou acredita erroneamente que essa ordem mundial beneficiaria o Brasil e não se importa com as horríveis implicações morais.
Brasil e Venezuela
Desde que assumiu o poder pela primeira vez, Lula demonstrou considerável empatia e apoio a ditadores de esquerda na América Latina, priorizando consistentemente a afinidade ideológica em detrimento da democracia na região. Regime autoritários na Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela se beneficiaram da “cegueira ideológica” de Lula. Desde seu retorno ao poder, seu apoio ao líder venezuelano Nicolás Maduro tem sido demonstrado frequentemente.
Sem demonstrar preocupação com o sofrimento do povo venezuelano sob uma ditadura que destruiu a economia e manipula eleições, Lula ofereceu apoio a Maduro, o recebeu com grande pompa no Brasil e condenou a oposição dos Estados Unidos. Afirma de forma absurda que Maduro é simplesmente a vítima inocente de uma narrativa política criada pelos EUA.[1] Quando a suposta vítima inocente usou um referendo fraudulento para declarar sua intenção de anexar a região rica em petróleo da Guiana, país vizinho, Lula foi forçado a expressar desaprovação à agressividade da Venezuela. No entanto, declarações oficiais do governo brasileiro apenas desencorajaram a agressão e pediram uma resolução pacífica. Novamente, como com a Rússia e a Ucrânia, Lula parece culpar uma força externa misteriosa por causar a discórdia e espera que ambos os lados encontrem uma “solução pacífica” para as exigências de um agressor.
Conclusão
Um diplomata sul-americano anônimo questionou recentemente à Reuters: “Onde está o Brasil, defensor dos direitos humanos? Não está claro o que o Brasil representa hoje, quando escolhe Putin e Maduro como aliados.” Está ficando cada vez mais claro onde o Brasil se posiciona, à medida que se junta a regimes autoritários em todo o mundo repetidamente. Lula passou o início de sua carreira política lutando contra a ditadura militar do Brasil e defendendo a democracia. Como presidente, ele tem deixado bem claro que acredita que essa luta é um privilégio a que apenas ele e seu país têm direito. Cabe a todos os outros se submeterem aos regimes autoritários. Ou Lula é incrivelmente ingênuo e mal-informado, e isso permitiu que ele e seu país se tornassem marionetes de ditaduras em todo o mundo, OU sua política externa nada mais é do que falência moral disfarçada de idealismo. Sua política externa muitas vezes é revestida de retórica moralista e reivindicações de superioridade moral, mas no mundo real ele transformou a si mesmo e a seu país em inimigos inegáveis da democracia.
[1] Vários organizações não, como a Human Rights Watch e a Amnesty International, documentaram a fraude eleitoral e os abusos dos direitos humanos cometidos pela ditadura de Maduro.